Cidadania, con-cidadania, cidadania nacional e cidadania terrenal (L.Boff)

Entendemos por cidadania o processo histórico-social que capacita a massa humana a forjar condições de consciência, de organização e de elaboração de um projeto e de práticas no sentido de deixar de ser massa e de passar a ser povo, como sujeito histórico plasmador de seu próprio destino. O grande desafio histórico é certamente este: como fazer das massas anónimas, de­serdadas e manipuláveis um povo brasileiro de cida­dãos conscientes e organizados. É o propósito da cidadania como processo político-social e cultural.

1. Dimensões da cidadania


Cinco são as dimensões de uma cidadania plena:
-A dimensão econômico-produtiva: a massa é mantida intencionalmente como massa e a pobreza é empobre­cimento, portanto, a pobreza material e política é produzida e cultivada, por isso é profundamente injusta; a cidadania política é esvaziada ou reduzida à minoridade se não vier acompanhada pela econômica; o pobre que não for contra a pobreza e não optar por outros po­bres não tem condições de comportar-se como sujeito social e realizar sua emancipação.
- A dimensão político-participativa: só os interessados se fazem cidadãos; estes podem e devem contar com apoios públicos e do Estado, mas se as pessoas mesmas não lutarem em prol de sua autonomia e por sua participação social nunca serão cidadãos plenos. Portanto, mais do que o Estado é a sociedade em suas várias ver-tebrações que conta.

- A dimensão popular: o tipo de cidadania vigente é de corte liberal-burguês, por isso inclui somente os que têm uma inserção no sistema produtivo e exclui os de­mais. E uma cidadania reduzida. Não se reconhece ainda o caráter incondicional dos direitos independen­temente de posse, de instrução e de condição social ou ideológica. A cidadania deve ser alargada pêlos lados e pelo fundo. Por isso a construção da cidadania deve co­meçar pela base social, deve ter um cunho popular e in­cluir intencionalmente a todos. Ela já é exercida nos inúmeros movimentos sociais e nas associações comu­nitárias onde os excluídos constróem um novo tipo de cidadania e de democracia participativa.

- A dimensão de con-cidadania: a cidadania não define apenas a posição do cidadão face ao Estado, como sujei­to de direitos e não como um pedinte (não se há de pe­dir nada ao Estado mas reivindicar; os cidadãos devem organizar-se não para substituir o Estado mas para fazê-lo funcionar); define também o cidadão face a ou­tro cidadão mediante a solidariedade e a cooperação, como paradigmaticamente se está mostrando na cam­panha contra a fome e em favor da con-cidadania e da vida, herança imorredoura deixada por Herbert de Souza, o Hctinho. Contra as políticas pobres do Estado para com os pobres, surgem as organizações dos pobres para fazerem valer seus direitos.

- A cidadania terrenal: a con-cidadania se abre hoje a uma dimensão planetária, na consciência do cuidado com a única casa comum que temos para habitar, o plane­ta Terra, de recursos limitados, em grande parte não-re-nováveis e com a corresponsabilidade coletiva de garantir um futuro comum para a Terra e a humanidade. Não so­mos apenas cidadãos nacionais mas também terrenais.

2. Cidadania e projetos-Brasil

A cidadania é um processo inacabado e sempre aberto a novas aquisições de consciência, de participa­ção e de solidariedade. Só cidadãos ativos podem fun­dar uma sociedade democrática, como sistema aberto, que se sente imperfeita mas ao mesmo tempo sempre perfectível. Por isso, o diálogo, a participação e a busca da transparência constituem suas virtudes maiores.
A cidadania se realiza dentro de uma sociedade con­creta que elabora para si projetos, muitas vezes, confli­tantes entre si, de construção de sua soberania e dos ca­minhos de inserção no processo maior de globalização. Todos eles querem dar uma resposta à pergunta: que Brasil, depois de 500 anos, finalmente, nós queremos?
Vejamos três grandes projetos em curso e seus por­tadores históricos. Qual deles atende à busca dos mi­lhões de brasileiros que almejam um Brasil diferente que os inclua e beneficie.


Este texto foi retirado do livro 500 anos depois: O Brasil que queremos, de Leonardo Boff

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